Há algum tempo, aconteceu no Rio e em São Paulo uma passeata inusitada do “Movimento dos sem namorados” que chamava a atenção para a solidão: os participantes portavam cartazes dizendo “Namoro já, não quero mais ficar sozinho(a)” e por aí afora. Este movimento levanta alguns questionamentos como, por exemplo, por que parece tão difícil ter e manter um relacionamento estável e feliz? Por que tantas pessoas se queixam de estar sozinhas e tantas outras – que não estão sozinhas – se queixam de seus parceiros?
Seguramente estas questões recaem sobre a escolha conjugal, sobre o que motiva na hora de escolher um parceiro. Na escolha estão presentes inúmeros aspectos, inclusive inconscientes.
A primeira pergunta que faço no atendimento a pessoas com problemas conjugais, estejam elas juntas ou separadas é: “O que te atraiu nele(a)?” E juntos descobrimos que por trás da resposta inicial (aparência, inteligência, educação, etc.) estão as razões inconscientes, determinadas geralmente pela história de vida da pessoa. Nossas escolhas são influenciadas por nossas primeiras relações infantis.
É comum os casos em que uma pessoa escolhe alguém que venha complementar sua própria história de vida, de forma a repeti-la. É como se uma peça de teatro já estivesse montada e, ao fazer a escolha do parceiro, o sujeito escolhesse então o ator coadjuvante com quem vai contracenar sua história infantil, enfatizando os aspectos negativos dessa história, tudo isso de forma inconsciente. Mas por que os aspectos negativos?
Recordar, Repetir e Elaborar (Freud, 1914)
Para Freud, o sujeito repetiria os eventos que não poderia lembrar, que não seriam passíveis de elaboração. Assim numa tentativa de elaboração a pessoa vai repetindo, ao longo da vida, os eventos que não puderam ser compreendidos na infância e, consequentemente, o mesmo ocorre ao fazer sua escolha amorosa.
Com base nesta teoria freudiana, ao escolher um parceiro, o sujeito iria buscar alguém com quem pudesse repetir a própria história, como uma tentativa de modificação, de ter domínio sobre sua história e assim poder transformá, fazê-la diferente. Um gesto de esperança!
“Os amantes se amam cruelmente e com se amarem tanto não se vêem.
Um se beija no outro refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.”
(Carlos Drummond de Andrade)
Há casos onde a pessoa busca no outro preencher um vazio e vive uma tendência a investir o outro de qualidades e características que, às vezes, só representam seu desejo, sem nenhuma correspondência com a realidade. Cada um tem uma fantasia do outro e assim eles nunca veem um ao outro como realmente são. Muitas vezes sequer estão conscientes de que têm necessidades emocionais diferentes.
As expectativas depositadas no parceiro podem ser compartilhar o sentido de vida, suprir uma carência ou compensar alguma falha no desenvolvimento emocional, decorrente da sua história de vida como foi mencionado acima, entre outras.
A frustração provocada pelo não atendimento destas expectativas provoca insatisfações sexuais, dificuldades de comunicação e não aceitação das diferenças, desencadeando brigas constantes, como em uma tentativa de fazer com que o outro atenda ao que dele é esperado – e na maioria das vezes o parceiro nem sabe disso. A impaciência e a intolerância são comuns, pois se espera que o outro adivinhe o que se passa, adivinhe o que se sente.
Os mal entendidos vão se intensificando, muitas vezes chegando a uma situação insolúvel, onde nem se sabe mais qual é a origem de tanto mal-estar.
Na sociedade atual, vivemos um incentivo à busca pelo desenvolvimento e satisfação pessoal, tornando as pessoas mais voltadas para elas mesmas e, portanto, presas a uma busca mais individualizada. Com isso as pessoas tornam-se mais exigentes, menos dispostas a ceder e a fazer concessões. Qual a saída? Cada um tem o seu caminho, porque cada pessoa é única. Porém a máxima tão antiga de Sócrates continua atual: “Conheça a ti mesmo”.
O autoconhecimento permite que você faça escolhas mais independentes, que não tenham a função de preencher vazios, proporcionar segurança, manter companhia, etc. Conhecer a si mesmo significa amar o que você gosta em você e permitir que mude o que não gosta, se esta for sua escolha. E, principalmente, fará com que você tenha relacionamentos mais ricos e livres, porque sua escolha não se baseará nas suas necessidades, mas no prazer das afinidades.
Maria José Pereira de Morais, Psicóloga, CRP-06/49657-1
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